O Evangelho (Lc 16, 19-31) descreve-nos um homem que não soube tirar o proveito dos seus bens. Ao invés de ganhar com eles o Céu, perdeu-o para sempre. Tratava-se de um homem rico, que se vestia de púrpura e de linho, e que todos os dias fazia festas esplêndidas; muito perto dele, à sua porta, estava deitado um mendigo chamado Lázaro, todo coberto de chagas, que desejava saciar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico. E até os cães lambiam as suas feridas.
A descrição que o Senhor nos faz nesta parábola tem fortes contrastes: grande abundância num, extrema necessidade no outro. O homem rico vive para si, como se Deus não existisse. Esqueceu uma coisa que o Senhor recorda com muita freqüência: não somos donos dos bens matérias, mas administradores.
O homem rico não está contra Deus nem oprime o pobre! Apenas está cego para as necessidades alheias. O seu pecado foi não ter visto Lázaro, a quem poderia ter feito feliz com um pouco menos de egoísmo e um pouco mais de despreocupação pelas suas próprias coisas. Não utilizou os bens conforme o querer de Deus. Não soube compartilhar. Santo Agostinho comenta: “Não foi a pobreza que conduziu Lázaro ao Céu, mas a sua humildade; nem foram as riquezas que impediram o rico de entrar no descanso eterno, mas o seu egoísmo e a sua infidelidade.”
O egoísmo, que muitas vezes se concretiza na ânsia de usufruir sem medida os bens materiais, leva a tratar as pessoas como coisas; como coisas sem valor. Pensemos hoje que todos temos ao nosso redor pessoas necessitadas, como Lázaro. E não esqueçamos que os bens que recebemos para administrar generosamente são também o afeto, a amizade, a compreensão, a cordialidade, as palavras de ânimo…
Do uso que façamos dos bens que Deus depositou nas nossas mãos depende a vida eterna. Estamos num tempo de merecer! Por isso, o Senhor nos dirá: “É melhor dar do que receber” (At 20, 25). Ganhamos mais dando do que recebendo: ganhamos o Céu! A caridade é sempre realização do Reino dos Céus e é a única bagagem que restará neste mundo que passa. E devemos estar atentos, pois Lázaro pode estar no nosso próprio lar, no escritório ou na oficina em que trabalhamos.
A parábola ensina a sobrevivência da alma após a morte e que, imediatamente depois da morte a alma é julgada por Deus de todos os seus atos – juízo particular –, recebendo o prêmio ou o castigo merecidos; que a Revelação divina é, de per si, suficiente para que os homens creiam no mais além.
Também ensina que quem morre não volta mais! Que não existe reencarnação! Quem salva o homem é Jesus Cristo, não o próprio homem que vai pagando as suas faltas, cada vez que reencarna. Quem tem fé em Cristo e o aceita como salvador rejeita o espiritismo e a sua doutrina, a reencarnação. Em Hb 9, 27 diz o Senhor: “está determinado que os homens morram uma só vez, e logo em seguida vem o juízo.”
Noutra ordem de idéias, a parábola ensina também a dignidade de toda a pessoa humana pelo fato de o ser, independentemente da sua posição social, econômica, cultural, religiosa, etc.
“Entre vós e nós existe um abismo”, disse Abraão ao rico, manifestando que depois da morte e ressurreição não haverá lugar para penitência alguma. Nem os ímpios se arrependerão e entrarão no Reino, nem os justos pecarão e descerão para o inferno. Este é um abismo intransponível. Por isso se compreendem as palavras de São João Crisóstomo: “Rogo-vos e peço-vos e, abraçado aos vossos pés, suplico-vos que, enquanto gozemos desta pequena respiração da vida, nos arrependamos, nos convertamos, no tornemos melhores, para que não nos lamentemos inutilmente como aquele rico quando morrermos e o pranto não nos traga remédio algum. Porque ainda que tenhas um pai ou um filho ou um amigo ou qualquer outro que tenha influência diante de Deus, todavia, ninguém te livrará, sendo como são os teus próprios fatos (atos) que te condenam.”
Exorta São Paulo em 1 Tm 6, 10: “a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro e que muitos perderam a fé por causa disso.” O mesmo S. Paulo nos convida: “Combate o bom combate da fé, conquista a vida eterna, para qual foste chamado…” (1 Tm 6, 12).
Nós fomos eleitos para ser fermento que transforma e santifica as realidades terrenas. A sobriedade, a temperança, o despreendimento hão de levar-nos ao mesmo tempo a sermos generosos: ajudando os mais necessitados, levando adiante – com o nosso tempo, com os talentos que recebemos de Deus, com os bens materiais na medida das nossas possibilidades – obras boas, que elevem o nível de formação, de cultura, de atendimento aos doentes… Ou seja, com o coração em Deus e voltado para o próximo.
Não vos conformeis com este mundo…” (Rm 12, 2). Quando se vive com o coração posto nos bens materiais, as necessidades dos outros escapam-nos; é como se não existissem. O rico da parábola “foi condenado porque nem sequer percebeu a presença de Lázaro, da pessoa que se sentava à sua porta e desejava alimentar-se das migalhas que caíam da sua mesa” ( Sto. Agostinho).
Façamos bom uso dos bens materiais. Jesus vê na riqueza o perigo mais grave de auto-suficiência, de afastamento de Deus e de insensibilidade para com o próximo.
Mons. José Maria Pereira
Fonte: Presbíteros
Nenhum comentário:
Postar um comentário