28 outubro 2010

Papa a Bispos Brasileiros: “Quando os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem, os pastores têm o grave dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas”

Fonte: Jornal Gazeta do povo
O Papa Bento XVI disse hoje, a bispos brasileiros, no Vaticano, que é papel da Igreja emitir juízo moral em questões políticas quando isso for importante para defender os direitos fundamentais da pessoa.
No discurso, ao qual a reportagem da Gazeta do Povo teve acesso com exclusividade, o Pontífice afirmou que os padres devem se posicionar quando estiverem em discussão temas como aborto e a eutanásia (a abreviação da vida de doentes terminais).
Embora não fale diretamente sobre o processo eleitoral brasileiro, o pronunciamento, feito a três dias do segundo turno presidencial, pode ser visto como um aval à postura de religiosos que criticaram candidatos e programas de governo pró-aborto – caso, por exemplo, do bispo de Guarulhos, dom Luiz Gonzaga Bergonzini, que teve um artigo sobre o tema retirado do site da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
O pronunciamento do Papa foi feito nesta manhã aos integrantes da regional do Maranhão (Regional Nordeste 5) da CNBB, que fazem visita oficial ao Vaticano nesta semana. De acordo com a regra da Igreja Católica, todos os bispos precisam se reunir com o Papa a cada cinco anos.
O discurso do Papa afirma que, em princípio, o dever de construir uma sociedade mais justa por meio da política não cabe aos sacerdotes. No entanto, diz que há temas em que os bispos e os padres podem e devem se posicionar politicamente. É o caso da defesa da vida, por exemplo.
Para ilustrar seu ponto de vista, Bento XVI usou um trecho de um dos principais documentos do Concílio Vaticano II, de 1963 – a constituição apostólica Gaudium et Spes, que fala sobre a Igreja no mundo atual. De acordo com o texto, a Igreja, “em razão da sua missão e competência, de modo algum se confunde com a sociedade nem está ligada a qualquer sistema político determinado”. Porém, deve ter direito a sempre “pronunciar o seu juízo moral mesmo acerca das realidades políticas, sempre que os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem”.
O texto do Papa afirma, sem citar nomes ou partidos, que projetos políticos que pregam a descriminalização do aborto ou da eutanásia traem o ideal democrático. E diz que seria ilusório afirmar que essas práticas seriam validadas em função de qualquer defesa de direitos humanos – em contraposição à tese de que o aborto é um direito da mulher decidir sobre seu próprio corpo.
Bento XVI também reforçou a defesa da educação religiosa e do ensino confessional e plural da religião na escola pública brasileira – algo que é combatido por uma linha política que diz que o Estado deve ser laico (sem religião). Novamente, o texto cita um documento da Igreja: neste caso, a encíclica Caritas in Veritate, do próprio Bento XVI. “A religião cristã e as outras religiões só podem dar o seu contributo para o desenvolvimento, se Deus encontrar lugar também na esfera pública, nomeadamente nas dimensões cultural, social, econômica e particularmente política”, diz um trecho da encíclica.
Finalmente, o Papa defendeu ainda a existência de símbolos religiosos em prédios públicos, afirmando que eles são uma lembrança da transcendência do homem. Bento XVI dirá ainda que isso faz sentido especialmente no Brasil, país de tradição católica que tem como um de seus principais símbolos a estátua do Cristo Redentor.

Embora o discurso do Papa não faça referência a partidos ou candidatos, o texto condena práticas que chegaram a ser defendidas pelo governo federal brasileiro e por setores do PT. No ano passado, o governo Lula lançou o 3.º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH) – que, em sua primeira versão, previa a descriminalização do aborto e a proibição da ostentação de símbolos religiosos em espaços públicos da União. Depois de uma forte polêmica, esses trechos do PNDH foram retirados do plano.
Confira a íntegra do discurso do Papa Bento XVI:
“Amados Irmãos no Episcopado,
«Para vós, graça e paz da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo» (2 Cor 1, 2). Desejo antes de mais nada agradecer a Deus pelo vosso zelo e dedicação a Cristo e à sua Igreja que cresce no Regional Nordeste 5 [cinco]. Nos nossos encontros, pude ouvir, de viva voz, alguns dos problemas de caráter religioso e pastoral, além de humano e social, com que deveis medir-vos diariamente. O quadro geral tem as suas sombras, mas tem também sinais de esperança, como Dom Xavier Gilles acaba de referir na saudação que me dirigiu, dando livre curso aos sentimentos de todos vós e do vosso povo.
Como sabeis, nos sucessivos encontros com os diversos Regionais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, tenho sublinhado diferentes âmbitos e respectivos agentes do multiforme serviço evangelizador e pastoral da Igreja na vossa grande Nação; hoje, gostaria de falar-vos de como a Igreja, na sua missão de fecundar e fermentar a sociedade humana com o Evangelho, ensina ao homem a sua dignidade de filho de Deus e a sua vocação à união com todos os homens, das quais decorrem as exigências da justiça e da paz social, conforme à sabedoria divina.
Entretanto, o dever imediato de trabalhar por uma ordem social justa é próprio dos fiéis leigos, que, como cidadãos livres e responsáveis, se empenham em contribuir para a reta configuração da vida social, no respeito da sua legítima autonomia e da ordem moral natural (cf. Deus caritas est, 29). O vosso dever como Bispos junto com o vosso clero é mediato, enquanto vos compete contribuir para a purificação da razão e o despertar das forças morais necessárias para a construção de uma sociedade justa e fraterna.Quando, porém, os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem, os pastores têm o grave dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas (cf. GS, 76).
Ao formular esses juízos, os pastores devem levar em conta o valor absoluto daqueles preceitos morais negativos que declaram moralmente inaceitável a escolha de uma determinada ação intrinsecamente incompatível com a dignidade da pessoa; tal escolha não pode ser resgatada pela bondade de qualquer fim, intenção, conseqüência ou circunstância. Portanto, seria totalmente falsa e ilusória qualquer defesa dos direitos humanos políticos, econômicos e sociais que não compreendesse a enérgica defesa do direito à vida desde a concepção até à morte natural (cf. Christifideles laici, 38). Além disso no quadro do empenho pelos mais fracos e os mais indefesos, quem é mais inerme que um nascituro ou um doente em estado vegetativo ou terminal? Quando os projetos políticos contemplam, aberta ou veladamente, a descriminalização do aborto ou da eutanásia, o ideal democrático – que só é verdadeiramente tal quando reconhece e tutela a dignidade de toda a pessoa humana – é atraiçoado nas suas bases (cf. Evangelium vita, 74). Portanto, caros Irmãos no episcopado, ao defender a vida não devemos temer a oposição e a impopularidade, recusando qualquer compromisso e ambigüidade que nos conformem com a mentalidade deste mundo» (ibidem, 82).
Além disso, para melhor ajudar os leigos a viverem o seu empenho cristão e sócio-político de um modo unitário e coerente, é «necessária — como vos disse em Aparecida — uma catequese social e uma adequada formação na doutrina social da Igreja, sendo muito útil para isso o “Compêndio da Doutrina Social da Igreja”» (Discurso inaugural da V conferência Geral do Episcopado Latino Americano e do Caribe, 3). Isto significa também que em determinadas ocasiões, os pastores devem mesmo lembrar a todos os cidadãos o direito, que é também um dever, de usar livremente o próprio voto para a promoção do bem comum (cf. GS, 75).
Neste ponto, política e fé se tocam. A fé tem, sem dúvida, a sua natureza específica de encontro com o Deus vivo que abre novos horizontes muito para além do âmbito próprio da razão. «Com efeito, sem a correção oferecida pela religião até a razão pode tornar-se vítima de ambigüidades, como acontece quando ela é manipulada pela ideologia, ou então aplicada de uma maneira parcial, sem ter em consideração plenamente a dignidade da pessoa humana» (Viagem Apostólica ao Reino Unido, Encontro com as autoridades civis, 17-IX-2010).
Só respeitando, promovendo e ensinando incansavelmente a natureza transcendente da pessoa humana é que uma sociedade pode ser construída. Assim, Deus deve «encontrar lugar também na esfera pública, nomeadamente nas dimensões 
cultural, social, econômica e particularmente política» (Caritas in veritate, 56). Por isso, amados Irmãos, uno a minha voz à vossa num vivo apelo a favor da educação religiosa, e mais concretamente do ensino confessional e plural da religião, na escola pública do Estado.

Queria ainda recordar que a presença de símbolos religiosos na vida pública é ao mesmo tempo lembrança da transcendência do homem e garantia do seu respeito. Eles têm um valor particular, no caso do Brasil, em que a religião católica é parte integral da sua história. Como não pensar neste momento na imagem de Jesus Cristo com os braços estendidos sobre a baia da Guanabara que representa a hospitalidade e o amor com que o Brasil sempre soube abrir seus braços a homens e mulheres perseguidos e necessitados provenientes de todo o mundo? Foi nessa presença de Jesus na vida brasileira, que eles se integraram harmonicamente na sociedade, contribuindo ao enriquecimento da cultura, ao crescimento econômico e ao espírito de solidariedade e liberdade.
Amados Irmãos, confio à Mãe de Deus e nossa, invocada no Brasil sob o título de Nossa Senhora Aparecida, estes anseios da Igreja Católica na Terra de Santa Cruz e de todos os homens de boa vontade em defesa dos valores da vida humana e da sua transcendência, junto com as alegrias e esperanças, as tristezas e angústias dos homens e mulheres da província eclesiástica do Maranhão. A todos coloco sob a Sua materna proteção, e a vós e ao vosso povo concedo a minha Benção Apostólica.

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