- A família é uma grande
escola de vida, mas o que fazer para que seja uma escola saudável? Sonho e
necessidade da maioria de nós, a vida em família é um grande desafio não
somente para os pais, mas também para os filhos, em cada uma das etapas do seu
ciclo vital.
Na sua primeira infância, a
criança ainda é muito dependente, necessita de cuidados mais específicos e de
um contato bem estreito com os pais, e se os tem, isto contribuirá bastante
para que se torne um adulto seguro.
No entanto, com o tempo, será
fundamental para ela descobrir outras pessoas, ter outros tipos de relação, o
que é impossível ocorrer quando os pais não sabem ausentar-se. Pais
excessivamente presentes podem acabar virando superprotetores e se tornando um
perigo para o desenvolvimento dos filhos, pois lhes suprem todas as carências,
fechando as possibilidades de estabelecer outros relacionamentos fundamentais
na construção de sua personalidade.
Assim como as famílias
excessivamente desligadas, onde os filhos são jogados ainda crianças na
solidão, para “se virarem” sem a ajuda dos pais, as famílias excessivamente
ligadas produzem adultos inseguros para responder às solicitações da vida.
A excessiva preocupação em
suprir os filhos em tudo pode começar bem cedo, até antes que eles nasçam: “Ah,
não vou deixar que meus filhos passem o que eu passei...”. A partir de tal
idealização, aparentemente tão bela, pode nascer uma educação para a
insegurança e falta de sentido na vida.
Criar filhos impermeáveis às
necessidades, frustrações e sofrimentos é uma utopia que alguns tentam realizar
através de inúteis tentativas que poderão fazê-los sofrer ainda mais. Crianças
demasiadamente supridas tendem a ser adultos intolerantes para com os outros,
para com a vida e para consigo mesmos, que não sabem o que querem ou desistem
nas primeiras tentativas de realizar algo.
A narrativa abaixo traz um
clássico exemplo dos pais que não sabem ausentar-se: O filho quer empinar uma
pipa. Então o pai ou a mãe imediatamente compra uma pipa de luxo, com lanterninhas
e rabo de náilon importado. E na tentativa de “ajudar”, acaba fazendo tudo
diante do filho perplexo e frustrado. É que, mesmo com a melhor das intenções
de realizar o desejo do menino, este pai ou esta mãe se interpôs a tal ponto
entre o desejo e a realização da criança, que anulou qualquer ação da sua
parte, roubando-lhe a alegria de trabalhar pela realização de seus projetos.
Mas se este pai ou esta mãe,
ao contrário, deixar que a criança construa sua própria pipa, dispondo-se a uma
participação menos “ativa” na tarefa, ajudando somente se e no que for
solicitado, mesmo que a criança tente e erre várias vezes, na próxima vez que
ela quiser alguma coisa, saberá lutar por ela e, mesmo à custa de muito
sacrifício, acabará aprendendo algo e encontrando alguma realização. Isto, como
pais ou mães podemos fazer, sem medo de errar: não impedir que nossos filhos
cresçam.
Marcadas por um projeto
humano dos adultos que as cercam, algumas crianças já nascem com o peso de
realizar sonhos que outros membros da família não alcançaram para si. São ainda
bebês, mas já recebem títulos de “Doutor Isso”, “Professor Aquilo”, “Grande
Advogado” etc. Tal peso pode se tornar tão grande que a não realização de tais
projetos se tornará na idade adulta motivo de grande frustração entre pais e
filhos. Os filhos não são propriedade dos pais, nem uma “edição melhorada”
deles, mas são outras pessoas, com destinos únicos, irrepetíveis. E a quebra do
seu crescimento emocional através de um cuidado excessivo, que se prolongue da
infância à idade adulta, seja consciente ou inconscientemente programado,
resultará bastante nociva para eles. Por isso, é necessário a nós, como pais,
vigiar para que não estejamos construindo, passo a passo, uma família
aparentemente muito unida, mas onde não se percebe claramente os limites de
cada um, onde a vida de um é a vida do outro e ninguém tem sua própria
identidade nem desenvolve suas capacidades.
Alguns “psicologismos” ditam
continuamente nas consciências dos pais a ordem de realizar verdadeiros malabarismos
para “não frustrar”, “não traumatizar” os filhos. Mas quem disse que quem sofre
está mal? Uma pessoa que sofre pode estar muito bem, desde que esteja
encontrando sentido para seu sofrimento. E quando uma família passa por
provações, cada membro, na medida de sua capacidade, pode participar
saudavelmente das lutas familiares para depois participar do sabor da vitória.
Segundo a tradição que interpreta os Salmos, o povo de Deus, no meio do qual
certamente havia muitas crianças, voltou do exílio cantando: “Os que com
lágrimas semeiam, com júbilo ceifarão”.
Filhos não são apenas
“criados”, mas podem ajudar a “se criar” e precisam de espaços para isto. Tais
espaços são as nossas ausências. Filhos não estão no mundo apenas para receber,
mas mesmo dentro dos seus limites têm muito para dar à família e, se lhes for
permitido, podem ajudar muito mais do que imaginamos. Mas para isto é
necessário que, como pais, saibamos “nos ausentar” no momento certo, conforme
cada etapa de suas vidas.
O modelo perfeito de família
é a Santíssima Trindade. E se consideramos o grito de Jesus na Cruz: “Pai, por
que me abandonaste?” como um momento indispensável à Sua Ressurreição e à nossa
Salvação, compreenderemos que o Amor Perfeito se prova pela ausência que dará
ao ser amado a imprescindível ocasião de Ser.
Ana Carla
Bessa
Consagrada
na Comunidade de Aliança Shalom
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