09 setembro 2011

Formação: O Cachimbo do perdão


O velho sábio da tribo sempre dava este conselho aos jovens fogosos e briguentos:
- Quando você está com muita raiva de alguém que o tenha ofendido tanto ao ponto de ter resolvido lavar com o sangue a vergonha da ofensa, antes de partir para matá-lo, pare! Sente-se e encha de fumo o seu cachimbo. Continue fumando. Quando acabar o “primeiro cachimbo”, você pensará, finalmente, que a morte do adversário seria uma punição demasiado grande para a culpa cometida.
Começará, então, a pensar que uma surra bem dada já resolveria a questão. Contudo antes de apanhar a sua borduna e partir para espancar o inimigo, carregue o “segundo cachimbo” e, sentado, fume-o tranquilamente. No final, estará convencido de que algumas palavras fortes contra ele serão suficientes para envergonhá-lo na frente de todos.
Pois bem, quando estiver saindo para insultar aquele que o ofendeu, sente-se novamente, encha de fumo o “terceiro cachimbo”. Com certeza quando o fogo dele se apagar também a sua raiva terá esfriado e, no seu coração, terá surgido o desejo de buscar a reconciliação e a paz. O seu inimigo voltará a ser um amigo.
A historinha não é um incentivo a fumar. Apenas um caminho para não tomar decisões sob o impulso da raiva e do ódio. Quantas vezes queremos nos vingar de quem nos ofendeu, esquecendo quantas vezes nós também já fomos perdoados? Na oração do Senhor – o Pai Nosso -  sempre repetimos: “Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. Pedimos muitas vezes perdão a Deus, mas ainda não aprendemos a nos perdoar uns aos outros.

No evangelho deste domingo, Jesus nos lembra a grandeza de ânimo de quem sabe perdoar.  A parábola dos dois devedores nos apresenta um “patrão” ao qual o primeiro empregado deve “uma fortuna”, dez mil talentos, no texto original. Isso corresponderia a cinqüenta ou sessenta milhões de moedas – o denário - que também correspondia ao salário de um dia de trabalho.
Por sua vez, este é credor de um companheiro que lhe deve cem moedas. Se confrontarmos as duas dívidas, chegaremos à conclusão que a primeira seria absolutamente impagável, ao passo que a segunda corresponderia a cem dias de trabalho e, portanto, perfeitamente pagável com um pouco de paciência e misericórdia.
É por isso que os companheiros ficam tristes e o patrão indignado: aquele a quem foi perdoada uma dívida impagável não deveria ter perdoado, também, uma dívida tão pequena? Pelo jeito o primeiro devedor não aprendeu nada com a compaixão que o patrão teve com ele. Continuou exigente e mesquinho. Além disso, a parábola de Jesus apresenta dívidas de dinheiro; dívidas que, vamos ser sinceros, são as mais difíceis a serem perdoadas. Contudo existem muitas outras afrontas e violências que machucam e marcam, às vezes para sempre, a nossa vida e a vida das nossas famílias.
Chegamos a pensar que perdoar é um sinal de fraqueza e que a vingança esteja no pleno direito de quem foi prejudicado. A justiça humana também exige que os culpados sejam punidos, como forma de correção e alerta para outros não cometerem os mesmos crimes. O perdão dos ofendidos não vai contra a justiça, não deve ser confundido com a impunidade. 
Da mesma forma, a punição dos culpados não deve ser entendida como uma vingança, mas como uma medida educativa para incentivar a convivência social pacífica e construtiva. Entendo que falar é fácil, porém administrar a justiça com equidade e convencer os culpados a não praticar mais os erros é um grande desafio para todas as sociedades de todos os tempos.
É nesta visão de fraternidade e de solidariedade que entendemos o perdão irrestrito que Jesus quer nos ensinar. O perdão não é somente uma nova chance, deveria ser o começo de novos relacionamentos. Os dois devedores da parábola admitem a dívida, suplicam por mais um prazo para serem livres da obrigação. O perdão é essa libertação, para que ninguém se esconda do outro por medo de ser cobrado, ou o credor agrida o devedor que não paga. Afinal, com o perdão fraterno deveríamos todos manifestar a nossa gratidão a Deus que sempre está disposto a perdoar os nossos pecados. Se as ofensas nos afastam uns dos outros, o exercício e a virtude do perdão reaproximam as pessoas.
É o que Deus faz quando nos abraça e nos acolhe novamente com a sua misericórdia. Vamos aprender a pedir perdão, a perdoar e a viver a festa da reconciliação. Para sermos mais irmãos, evitando as ofensas e praticando a justiça, não deveria ser necessário fumar tantos cachimbos de paz. Aliás, não deveria precisar de nenhum.
Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá - AP
CNBB


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