O velho
sábio da tribo sempre dava este conselho aos jovens fogosos e briguentos:
- Quando
você está com muita raiva de alguém que o tenha ofendido tanto ao ponto de ter
resolvido lavar com o sangue a vergonha da ofensa, antes de partir para
matá-lo, pare! Sente-se e encha de fumo o seu cachimbo. Continue fumando.
Quando acabar o “primeiro cachimbo”, você pensará, finalmente, que a morte do
adversário seria uma punição demasiado grande para a culpa cometida.
Começará,
então, a pensar que uma surra bem dada já resolveria a questão. Contudo antes
de apanhar a sua borduna e partir para espancar o inimigo, carregue o “segundo
cachimbo” e, sentado, fume-o tranquilamente. No final, estará convencido de que
algumas palavras fortes contra ele serão suficientes para envergonhá-lo na
frente de todos.
Pois bem,
quando estiver saindo para insultar aquele que o ofendeu, sente-se novamente,
encha de fumo o “terceiro cachimbo”. Com certeza quando o fogo dele se apagar
também a sua raiva terá esfriado e, no seu coração, terá surgido o desejo de
buscar a reconciliação e a paz. O seu inimigo voltará a ser um amigo.
A historinha
não é um incentivo a fumar. Apenas um caminho para não tomar decisões sob o
impulso da raiva e do ódio. Quantas vezes queremos nos vingar de quem nos
ofendeu, esquecendo quantas vezes nós também já fomos perdoados? Na oração do
Senhor – o Pai Nosso - sempre repetimos: “Perdoai-nos as nossas ofensas
assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. Pedimos muitas vezes perdão
a Deus, mas ainda não aprendemos a nos perdoar uns aos outros.
No evangelho
deste domingo, Jesus nos lembra a grandeza de ânimo de quem sabe perdoar.
A parábola dos dois devedores nos apresenta um “patrão” ao qual o primeiro
empregado deve “uma fortuna”, dez mil talentos, no texto original. Isso
corresponderia a cinqüenta ou sessenta milhões de moedas – o denário - que
também correspondia ao salário de um dia de trabalho.
Por sua vez,
este é credor de um companheiro que lhe deve cem moedas. Se confrontarmos as
duas dívidas, chegaremos à conclusão que a primeira seria absolutamente
impagável, ao passo que a segunda corresponderia a cem dias de trabalho e,
portanto, perfeitamente pagável com um pouco de paciência e misericórdia.
É por isso
que os companheiros ficam tristes e o patrão indignado: aquele a quem foi
perdoada uma dívida impagável não deveria ter perdoado, também, uma dívida tão
pequena? Pelo jeito o primeiro devedor não aprendeu nada com a compaixão que o
patrão teve com ele. Continuou exigente e mesquinho. Além disso, a parábola de
Jesus apresenta dívidas de dinheiro; dívidas que, vamos ser sinceros, são as
mais difíceis a serem perdoadas. Contudo existem muitas outras afrontas e
violências que machucam e marcam, às vezes para sempre, a nossa vida e a vida
das nossas famílias.
Chegamos a
pensar que perdoar é um sinal de fraqueza e que a vingança esteja no pleno
direito de quem foi prejudicado. A justiça humana também exige que os culpados
sejam punidos, como forma de correção e alerta para outros não cometerem os
mesmos crimes. O perdão dos ofendidos não vai contra a justiça, não deve ser
confundido com a impunidade.
Da mesma
forma, a punição dos culpados não deve ser entendida como uma vingança, mas
como uma medida educativa para incentivar a convivência social pacífica e
construtiva. Entendo que falar é fácil, porém administrar a justiça com
equidade e convencer os culpados a não praticar mais os erros é um grande
desafio para todas as sociedades de todos os tempos.
É nesta
visão de fraternidade e de solidariedade que entendemos o perdão irrestrito que
Jesus quer nos ensinar. O perdão não é somente uma nova chance, deveria ser o
começo de novos relacionamentos. Os dois devedores da parábola admitem a
dívida, suplicam por mais um prazo para serem livres da obrigação. O perdão é
essa libertação, para que ninguém se esconda do outro por medo de ser cobrado, ou
o credor agrida o devedor que não paga. Afinal, com o perdão fraterno
deveríamos todos manifestar a nossa gratidão a Deus que sempre está disposto a
perdoar os nossos pecados. Se as ofensas nos afastam uns dos outros, o
exercício e a virtude do perdão reaproximam as pessoas.
É o que Deus
faz quando nos abraça e nos acolhe novamente com a sua misericórdia. Vamos
aprender a pedir perdão, a perdoar e a viver a festa da reconciliação. Para
sermos mais irmãos, evitando as ofensas e praticando a justiça, não deveria ser
necessário fumar tantos cachimbos de paz. Aliás, não deveria precisar de
nenhum.
Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá - AP
CNBB
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