“A rejeição a Deus pelo mundo
contemporâneo leva à rejeição do outro, principalmente dos mais vulneráveis”.
Foi uma das advertências feitas pelo Papa durante a tradicional Missa do Galo,
segunda-feira, 24 de dezembro, na Basílica de São Pedro.
“Estamos completamente ‘cheios’ de nós
mesmos, de modo que não resta qualquer espaço para Deus; deste modo, a grande
questão moral sobre o modo como nos comportamos com os estrangeiros, os
refugiados, os imigrantes ganha um sentido ainda mais fundamental: Temos
verdadeiramente lugar para Deus, quando Ele tenta entrar em nós?” – questionou
o Papa na missa, concelebrada no Altar da Confissão por cerca de 30 cardeais.
No início da cerimônia, de mais de duas
horas, acompanhada por um coral em latim, música de órgão e som de trombetas,
Bento XVI percorreu a Basílica de São Pedro sobre uma plataforma móvel,
saudando e abençoando os fiéis que o aplaudiam.
“Correntes de pensamento muito
difundidas afirmam que a religião, em particular o monoteísmo, seria a causa da
violência e das guerras no mundo; que seria preciso libertar a humanidade da
religião para se estabelecer a paz; que o monoteísmo, a fé em um único Deus,
seria prepotência, motivo de intolerância, já que por sua natureza tentaria se
impor a todos com a pretensão da única verdade”.
“É certo que o monoteísmo serviu durante
a história como pretexto para a intolerância e para a violência” – esclareceu o
Pontífice, continuando: “É verdade que uma religião pode se desviar e chegar a
se opor à natureza mais profunda quando o homem pensa que deve tomar em suas
mãos a causa de Deus, fazendo de Deus sua propriedade privada. Devemos estar
atentos contra a distorção do sagrado”.
A este respeito, Bento XVI definiu a
violência em nome de Deus como uma “doença da religião”:
“Mas mesmo que seja incontestável um
certo uso indevido da religião na história, não é verdade que o "não"
a Deus restabeleceria a paz. Se a luz de Deus se apaga, se extingue também a
dignidade divina do homem”, concluiu Bento XVI
Em seguida, o Papa convidou os fiéis a “irem ‘virtualmente’ a Belém, aos lugares onde o Senhor viveu, trabalhou e sofreu:
“Rezemos nesta hora pelas pessoas que atualmente vivem e sofrem em Belém. Rezemos para que lá haja paz. Rezemos para que israelenses e palestinos possam conduzir sua vida na paz do único Deus e na liberdade. Peçamos também pelos países vizinhos – o Líbano, a Síria, o Iraque, etc. – para que lá se consolide a paz. Que os cristãos possam conservar suas casas naqueles países onde teve origem a nossa fé; que cristãos e muçulmanos construam, juntos, seus países, na paz de Deus”.
Em seguida, o Papa convidou os fiéis a “irem ‘virtualmente’ a Belém, aos lugares onde o Senhor viveu, trabalhou e sofreu:
“Rezemos nesta hora pelas pessoas que atualmente vivem e sofrem em Belém. Rezemos para que lá haja paz. Rezemos para que israelenses e palestinos possam conduzir sua vida na paz do único Deus e na liberdade. Peçamos também pelos países vizinhos – o Líbano, a Síria, o Iraque, etc. – para que lá se consolide a paz. Que os cristãos possam conservar suas casas naqueles países onde teve origem a nossa fé; que cristãos e muçulmanos construam, juntos, seus países, na paz de Deus”.
Publicamos a seguir a íntegra da homilia
proferida por Bento XVI na Missa do Galo, na noite desta segunda, 24, na
Basílica de São Pedro. A tradução em português
é de autoria da Secretaria de Estado do Vaticano.
é de autoria da Secretaria de Estado do Vaticano.
"Amados irmãos e irmãs!
A beleza deste Evangelho não cessa de
tocar o nosso coração: uma beleza que é esplendor da verdade. Não cessa de nos
comover o facto de Deus Se ter feito menino, para que nós pudéssemos amá-Lo,
para que ousássemos amá-Lo, e, como menino, Se coloca confiadamente nas nossas
mãos. Como se dissesse: Sei que o meu esplendor te assusta, que à vista da
minha grandeza procuras impor-te a ti mesmo. Por isso venho a ti como menino,
para que Me possas acolher e amar.
Sempre de novo me toca também a palavra
do evangelista, dita quase de fugida, segundo a qual não havia lugar para eles
na hospedaria. Inevitavelmente se põe a questão de saber como reagiria eu, se
Maria e José batessem à minha porta. Haveria lugar para eles? E recordamos
então que esta notícia, aparentemente casual, da falta de lugar na hospedaria
que obriga a Sagrada Família a ir para o estábulo, foi aprofundada e referida
na sua essência pelo evangelista João nestes termos: «Veio para o que era Seu,
e os Seus não O acolheram» (Jo 1, 11).
Deste modo, a grande questão moral sobre
o modo como nos comportamos com os prófugos, os refugiados, os imigrantes ganha
um sentido ainda mais fundamental: Temos verdadeiramente lugar para Deus,
quando Ele tenta entrar em nós? Temos tempo e espaço para Ele? Porventura não é
ao próprio Deus que rejeitamos? Isto começa pelo facto de não termos tempo para
Ele. Quanto mais rapidamente nos podemos mover, quanto mais eficazes se tornam
os meios que nos fazem poupar tempo, tanto menos tempo temos disponível.
E Deus? O que diz respeito a Ele nunca
parece uma questão urgente. O nosso tempo já está completamente preenchido. Mas
vejamos o caso ainda mais em profundidade. Deus tem verdadeiramente um lugar no
nosso pensamento? A metodologia do nosso pensamento está configurada de modo
que, no fundo, Ele não deva existir. Mesmo quando parece bater à porta do nosso
pensamento, temos de arranjar qualquer raciocínio para O afastar; o pensamento,
para ser considerado «sério», deve ser configurado de modo que a «hipótese
Deus» se torne supérflua. E também nos nossos sentimentos e vontade não há
espaço para Ele. Queremo-nos a nós mesmos, queremos as coisas que se conseguem
tocar, a felicidade que se pode experimentar, o sucesso dos nossos projectos
pessoais e das nossas intenções. Estamos completamente «cheios» de nós mesmos,
de tal modo que não resta qualquer espaço para Deus. E por isso não há espaço
sequer para os outros, para as crianças, para os pobres, para os estrangeiros.
A partir duma frase simples como esta
sobre o lugar inexistente na hospedaria, podemos dar-nos conta da grande
necessidade que há desta exortação de São Paulo: «Transformai-vos pela
renovação da vossa mente» (Rm 12, 2). Paulo fala da renovação, da abertura do nosso
intelecto (nous); fala, em geral, do modo como vemos o mundo e a nós mesmos. A
conversão, de que temos necessidade, deve chegar verdadeiramente até às
profundezas da nossa relação com a realidade. Peçamos ao Senhor para que nos
tornemos vigilantes quanto à sua presença, para que ouçamos como Ele bate, de
modo suave mas insistente, à porta do nosso ser e da nossa vontade. Peçamos
para que se crie, no nosso íntimo, um espaço para Ele e possamos, deste modo,
reconhecê-Lo também naqueles sob cujas vestes vem ter connosco: nas crianças,
nos doentes e abandonados, nos marginalizados e pobres deste mundo.
Na narração do Natal, há ainda outro
ponto que gostava de reflectir juntamente convosco: o hino de louvor que os
anjos juntam à sua mensagem acerca do entoam depois de anunciar o Salvador
recém-nascido: «Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens do seu
agrado». Deus é glorioso. Deus é pura luz, esplendor da verdade e do amor. Ele
é bom. É o verdadeiro bem, o bem por excelência. Os anjos que O rodeiam
transmitem, primeiro, a pura e simples alegria pela percepção da glória de
Deus. O seu canto é uma irradiação da alegria que os inunda. Nas suas palavras,
sentimos, por assim dizer, algo dos sons melodiosos do céu. No canto, não está
subjacente qualquer pergunta sobre a finalidade; há simplesmente o facto de
transbordarem da felicidade que deriva da percepção do puro esplendor da
verdade e do amor de Deus. Queremos deixar-nos tocar por esta alegria: existe a
verdade; existe a pura bondade; existe a luz pura.
Deus é bom; Ele é o poder supremo que
está acima de todos os poderes. Nesta noite, deveremos simplesmente alegrar-nos
por este facto, juntamente com os anjos e os pastores.
E, com a glória de Deus nas alturas,
está relacionada a paz na terra entre os homens. Onde não se dá glória a Deus,
onde Ele é esquecido ou até mesmo negado, também não há paz. Hoje, porém, há
correntes generalizadas de pensamento que afirmam o contrário: as religiões,
mormente o monoteísmo, seriam a causa da violência e das guerras no mundo;
primeiro seria preciso libertar a humanidade das religiões, para se criar então
a paz; o monoteísmo, a fé no único Deus, seria prepotência, causa de
intolerância, porque pretenderia, fundamentado na sua própria natureza,
impor-se a todos com a pretensão da verdade única.
É verdade que, na história, o monoteísmo
serviu de pretexto para a intolerância e a violência. É verdade que uma
religião pode adoecer e chegar a contrapor-se à sua natureza mais profunda,
quando o homem pensa que deve ele mesmo deitar mão à causa de Deus, fazendo
assim de Deus uma sua propriedade privada. Contra estas deturpações do sagrado,
devemos estar vigilantes. Se é incontestável algum mau uso da religião na
história, não é verdade que o «não» a Deus restabeleceria a paz. Se a luz de
Deus se apaga, apaga-se também a dignidade divina do homem. Então, este deixa
de ser a imagem de Deus, que devemos honrar em todos e cada um, no fraco, no
estrangeiro, no pobre. Então deixamos de ser, todos, irmãos e irmãs, filhos do
único Pai que, a partir do Pai, se encontram interligados uns aos outros.
Os tipos de violência arrogante que
aparecem então com o homem a desprezar e a esmagar o homem, vimo-los, em toda a
sua crueldade, no século passado. Só quando a luz de Deus brilha sobre o homem
e no homem, só quando cada homem é querido, conhecido e amado por Deus, só
então, por mais miserável que seja a sua situação, a sua dignidade é
inviolável. Na Noite Santa, o próprio Deus Se fez homem, como anunciara o
profeta Isaías: o menino nascido aqui é «Emmanuel – Deus-connosco» (cf. Is 7,
14). E verdadeiramente, no decurso de todos estes séculos, não houve apenas
casos de mau uso da religião; mas, da fé no Deus que Se fez homem, nunca cessou
de brotar forças de reconciliação e magnanimidade. Na escuridão do pecado e da
violência, esta fé fez entrar um raio luminoso de paz e bondade que continua a
brilhar.
Assim, Cristo é a nossa paz e anunciou a
paz àqueles que estavam longe e àqueles que estavam perto (cf. Ef 2, 14.17).
Quanto não deveremos nós suplicar-Lhe nesta hora! Sim, Senhor, anunciai a paz
também hoje a nós, tanto aos que estão longe como aos que estão perto. Fazei
que também hoje das espadas se forjem foices (cf. Is 2, 4), que, em vez dos
armamentos para a guerra, apareçam ajudas para os enfermos. Iluminai a quantos
acreditam que devem praticar violência em vosso nome, para que aprendam a
compreender o absurdo da violência e a reconhecer o vosso verdadeiro rosto.
Ajudai a tornarmo-nos homens «do vosso agrado»: homens segundo a vossa imagem
e, por conseguinte, homens de paz.
Logo que os anjos se afastaram, os
pastores disseram uns para os outros: Coragem! Vamos até lá, a Belém, e vejamos
esta palavra que nos foi mandada (cf. Lc 2, 15). Os pastores puseram-se
apressadamente a caminho para Belém – diz-nos o evangelista (cf. 2, 16). Uma
curiosidade santa os impelia, desejosos de verem numa manjedoura este menino,
de quem o anjo tinha dito que era o Salvador, o Messias, o Senhor. A grande
alegria, de que o próprio anjo falara, apoderara-se dos seus corações e
dava-lhes asas.
Vamos até lá, a Belém: diz-nos hoje a
liturgia da Igreja. Trans-eamus – lê-se na Bíblia latina – «atravessar», ir até
lá, ousar o passo que vai mais além, que faz a «travessia», saindo dos nossos
hábitos de pensamento e de vida e ultrapassando o mundo meramente material para
chegarmos ao essencial, ao além, rumo àquele Deus que, por sua vez, viera ao
lado de cá, para nós. Queremos pedir ao Senhor que nos dê a capacidade de
ultrapassar os nossos limites, o nosso mundo; que nos ajude a encontrá-Lo,
sobretudo no momento em que Ele mesmo, na Santa Eucaristia, Se coloca nas
nossas mãos e no nosso coração.
Vamos até lá, a Belém! Ao dizermos estas
palavras uns aos outros, como fizeram os pastores, não devemos pensar apenas na
grande travessia até junto do Deus vivo, mas também na cidade concreta de
Belém, em todos os lugares onde o Senhor viveu, trabalhou e sofreu. Rezemos
nesta hora pelas pessoas que actualmente vivem e sofrem lá. Rezemos para que lá
haja paz. Rezemos para que Israelitas e Palestinianos possam conduzir a sua
vida na paz do único Deus e na liberdade. Peçamos também pelos países vizinhos
– o Líbano, a Síria, o Iraque, etc. – para que lá se consolide a paz. Que os
cristãos possam conservar a sua casa naqueles países onde teve origem a nossa
fé; que cristãos e muçulmanos construam, juntos, os seus países na paz de Deus.
Os pastores apressaram-se… Uma
curiosidade santa e uma santa alegria os impelia. No nosso caso, talvez
aconteça muito raramente que nos apressemos pelas coisas de Deus. Hoje, Deus
não faz parte das realidades urgentes. As coisas de Deus – assim o pensamos e
dizemos – podem esperar. E todavia Ele é a realidade mais importante, o Único
que, em última análise, é verdadeiramente importante. Por que motivo não
deveríamos também nós ser tomados pela curiosidade de ver mais de perto e
conhecer o que Deus nos disse? Supliquemos-Lhe para que a curiosidade santa e a
santa alegria dos pastores nos toquem nesta hora também a nós e assim vamos com
alegria até lá, a Belém, para o Senhor que hoje vem de novo para nós. Amém.
Por CNBB
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